Transcrito do Blog Meia Encarnada, de Ricardo Ceconello![]() |
Foto: AF |
Zagueiro não é artista
No
meu tempo de piá, quando alguém nas peladas aplicava aquela vistosa e
humilhante JANELINHA, os demais gritavam, em uníssono: “Fecha as pernas,
coração!”. Gritavam inclusive os companheiros de time da vítima.
Afinal, uma bola no meio das pernas era um evento, sobretudo em
campinhos irregulares e sem juiz, quando era tão convidativo dar aquela
rasteira brutal no Garrincha de ocasião.
Pois
nesta quarta, numa fase decisiva do mais caro torneio de clubes do
mundo, Luizito Suárez tricotou a alma de David Luiz em duas vezes,
deixando-o mais envergonhado do que um cachorro apanhado roendo o papel
higiênico. Suárez é um demônio, todos sabemos, mas a benevolência do
zagueiro brasileiro chamou a atenção.
É
verdade que David estava voltando de lesão e precisou socorrer o time
depois da saída de Thiago Silva, que tem uma notável propensão a se
ausentar em decisões, mas mesmo assim zagueiros amadores e profissionais
em todos os cantos do mundo se impressionaram com a letargia não apenas
física, mas ANÍMICA de David. Nem uma alavanca? Nem uma obstrução? Nem
aquela desesperada e embaraçosa tentativa de agarrar o uruguaio pela
cintura, como se o futebol fosse o outro?
Não
é de violência que falamos. É de imposição física pragmática,
virilidade social, uma botinada por uma causa pública. Conforme o
futebol se desenvolveu nos últimos anos, todos os jogadores aprenderam
que precisavam jogar. E isto é fundamental, óbvio. De preferência,
queremos ver zagueiros que não se apavorem com a presença de um atacante
a dezoito metros de distância. Mas isso não é exatamente novo. No
Brasil, mesmo, historicamente tivemos zagueiros técnicos, que tratavam a
pelota por adjetivos íntimos, mas que nem por isso esqueciam que, antes
de mais nada, eram zagueiros.
De nada adianta saber lançar uma
bola de três dedos e ignorar o instinto PRIMORDIAL de defensor: perder a
vergonha, a compostura, um punhado de dentes que seja, se for
necessário para evitar um gol. A maioria dos zagueiros atuais são como
novos-ricos, que desprezam sua origem: no caso, ser o antídoto do
futebol vistoso, cuja missão original, no fim das contas, é assegurar o
zero no placar.
Um
zagueiro, antes de tudo, é um pulverizador de sonhos, um filisteu que
desrespeita a arte e destrói tudo que é belo. Um huno cavalgando dentro
do Louvre. E, já está amargamente comprovado desde a Copa do Mundo, no
Brasil nós entendemos errado a lição: achamos que os defensores antes de
mais nada precisam estar afinados com a orquestra. Não é bem assim que
funciona: um serrote pode até emitir música ocasionalmente, mas será
eternamente um serrote, e não uma harpa.
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