Nelson Falcão Rodrigues, (23/08/1912 - 21/12/1980) foi um importante dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro.
O maior cronista esportivo de todos os tempos em nosso pais.
Este mês, se fosse vivo, estaria completando 100 anos de idade ( na última quinta-feira).
Deixamos aqui, em forma de homenagem, uma de suas mais famosas crônicas:
Complexo de vira-latas
Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: "O Brasil não vai nem se classificar!". E, aqui, eu pergunto:
- Não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?
Eis a verdade amigos: - desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em sí mesmo. A derrota frente aos Uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro.Foi uma humilhação que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotuvelo que nos ficou dos 2x1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. E disse "arrancou" como poderia dizer: "extraiu"de nós o título como se fosse um dente.
E hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvida: - é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança.Só imagino uma coisa: - Se o Brasil vence na Suécia, se volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.
Mas vejamos: - o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, "não. Mas eis a verdade:
- eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado do Flamengo. Pois bem: - não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.
A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra da suas inibições e se põe em estado de graça, é algo único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: - "O que vem a ser isso?" Eu explico.
Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley, porque perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: - e perdemos da mareira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdúlio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais dde futebol, nem de técnica, nem de tática. absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.
O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota.
Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.
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